segunda-feira, 3 de março de 2014

Carnaval

Foto: Canindê Soares

Há um momento do ano em que acordamos de rosto vazio, um vazio deslumbrante, grávido de contingência, abrimos o armário e escolhemos a máscara daquele dia, a fantasia daquele bloco, uma fantasia que talvez usemos nos dias seguintes, que talvez grude em nosso corpo até tornar-se nossa carne, ou que amanhã descartaremos para escolher uma nova, mais adequada ao novo bloco onde pularemos, ou que redesenharemos, remoldaremos ao sabor da euforia, da necessidade, do compasso da rua, da batida da multidão. Neste momento somos a rua, somos a dança, somos nossos próprios passos e a máscara fugaz que vestimos.

Todos os anos, este momento dura cerca de onze meses e três semanas. Todos os anos, este momento é rasgado por um lábil intervalo no qual, para aqueles que decidem continuar no baile ao invés de descansar, as máscaras e fantasias brotam não mais do fundo do armário, mas de uma região indistinta que flutua entre suas entranhas e o suor da massa dançante. Neste intervalo, às vezes, o vazio contingente consegue até soltar feixes de uma estanha felicidade.

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